23 de outubro de 2024
Por Danielli Franzão.
A patologização da tristeza
Vivemos em uma sociedade que escolhe diariamente travar uma batalha impossível de vencer contra o relógio. Estamos na época do exibicionismo, da euforia, da rapidez, da produtividade e da competição. A tristeza estremece a ideia amplamente perpetuada de ter que acordar cantando com os passarinhos, de estar sempre de bem com a vida e isso ser o fator determinante para o sucesso. Ela incomoda porque faz furo no discurso do Mestre.
Patologizou-se tanto o sentir-se triste que não é mais permitido viver o luto por uma perda, uma doença, um acidente, um término de relacionamento, um trabalho que ficou para trás... Não se pode entristecer sem ter que se explicar, pois tristeza "é coisa de gente fraca". Estão tentando erradica-la da vida, como se fosse uma deformidade, um defeito moral e todos tivessem que lidar com ela da mesma forma. Isso não apenas é impossível como extremamente penoso, não apenas para quem sente a tristeza, mas também para aqueles que evitam senti-la a todo custo.
Para o depressivo, o fardo é ainda maior. Em "Un plus de mélancolie", Colette Soler escreveu que o "blues" não é compartilhável nos dias atuais. É motivo de vergonha. "Uma civilização que valoriza a competitividade e a conquista, mesmo se em última análise esta se limite à conquista do mercado, uma tal civilização não pode amar seus deprimidos, mesmo que ela os produza cada vez mais, a título de doença do discurso capitalista."
Os depressivos representam a pedrinha no sapato daqueles que pregam uma felicidade delirante e obrigatória, pois andam na contramão de seu tempo.
Viver dói mesmo. Ninguém é feliz o tempo todo. Ninguém tem que ser feliz o tempo todo. Medicar toda e qualquer tristeza promove, para o sujeito, a perda do tempo necessário para superar o abalo e construir novas referências, novas condições de vida a partir da elaboração da dor. Anestesiar-se, impedir-se de sentir tristeza não é solucionar nada, é apenas mascarar uma dor que vai seguir existindo em forma de sintomas e incomodando até ser elaborada.
Em tempos como este, é sempre importante lembrar que não há remédio que elimine a dor de estar vivo.